Icterícia do Recém-Nascido
Por Bruna Leal Parreira
A
icterícia do recém-nascido ou hiperbilirrubinemia neonatal é uma condição
frequente nos primeiros dias após o nascimento. Manifesta-se pelo aparecimento
da coloração amarelada da pele e das mucosas (esclera, rima lingual) por
deposição da bilirrubina em excesso, em geral quando há valores acima de 5
mg/dl no sangue. Na maior parte dos casos, esta coloração verifica-se dois a
três dias após o nascimento, observando-se primeiro na face e podendo progredir
para o peito, abdómen e finalmente, as pernas.
Usualmente,
a icterícia neonatal é um fenômeno fisiológico normal que não gera maiores
complicações. Ocorre, principalmente, em virtude do processo de renovação dos
glóbulos vermelhos, em que a hemoglobina fetal desse recém-nascido (HbF) é
substituída por hemoglobina semelhante a do adulto (HbA). Durante essa
transição grandes quantidades de HbF são destruídas, liberando na corrente
sanguínea a proteína heme, principal responsável pela formação do pigmento
bilirrubina. (Figura 1) O fígado do recém-nascido, especialmente dos
prematuros, é, no entanto, imaturo e sua capacidade de eliminar esse excesso de
bilirrubina encontra-se diminuída. Assim, a maior produção de bilirrubina
associada a capacidade de eliminação reduzida leva a um aumento de seus níveis
na circulação, podendo em casos mais graves atingir e se depositar nos tecidos.
Outras possíveis causas são deficiência na captação pelos hepatócitos, na
conjugação ao ácido glicurônico, na excreção biliar ou ainda pela presença de
β-glucoronidase, enzima presente na borda em escova na parede intestinal
responsável pela desconjugação da bilirrubina, permitindo que essa retorne a
circulação entero-hepática.
A
hiperbilirrubinemia está presente em cerca de 97% dos RNs de termo, mas só 67%
deles ficam ictéricos. Para ser caracterizada como hiperbilirrubinemia
fisiológica o RN deve apresentar aumento de bilirrubina nos primeiros 3 dias de
6-8 mg/dl até12 mg/dl naqueles nascidos a termo e valores de 10-12 mg/dl até 15mg/dl no 5º dia nos prematuros. Quando
os níveis de bilirrubina atingem valores superiores aos limites fisiológicos
(bilirrubina total superior a 17mg/dl) essa passa a exercer efeitos tóxicos,
sendo o sistema nervoso central o principal afetado. A bilirrubina não
conjugada é não ionizada, lipofílica, ou seja, tem a capacidade de atravessar a
barreira hemato-encefálica, atingindo e se depositando sobre as estruturas
nervosas, exercendo sobre elas efeito tóxico, levando a uma condição conhecida
como kernicterus.
Kernicterus
é definida como uma alteração anatomopatológica do cérebro, com morte neuronal
por deposição de pigmento de bilirrubina em áreas específicas, especialmente
gânglios da base e cerebelo. Estruturas profundas, tais como os núcleos
subtalâmicos, hipocampo e tronco cerebral, também podem ser afetadas. As
manifestações clínicas dessa lesão recebem o nome de encefalopatia
bilirrubínica que pode apresentar-se tanto precocemente quando as lesões ainda
são ligeiras e reversíveis ou em uma fase mais avançada em que o quadro é mais
grave e as lesões irreversíveis. Recentemente, o subcomitê para a hiperbilirrubinemia
da Academia Americana de Pediatria, recomenda o uso de encefalopatia
bilirrubínica aguda para descrever as manifestações agudas da toxicidade da
bilirrubina e kernicterus reservado para as sequelas permanentes e crónicas da
toxicidade da bilirrubina. A tabela I resume as manifestações clínicas,
alterações na ressonância magnética cerebral e dos potenciais evocados
auditivos nas diferentes fases da encefalopatia bilirrubínica aguda.
Algumas
afecções nos recém-nascidos podem ocasionar com aumento dos níveis de
bilirrubina, cursando com icterícia. A doença hemolítica do recém-nascido,
também conhecida como eritroblastose fetal, é uma anemia causada por
incompatibilidade sanguínea materno-fetal, em que a mãe produz anticorpos IgG,
que possuem a capacidade de atravessar a barreira placentária, contra antígenos
próprios do feto, reduzindo a sobrevida das hemácias fetais, as quais são
hemolisadas. A hemólise inicia-se na vida fetal e intensifica-se ao nascimento.
Como foi elucidado anteriormente o excesso de proteína heme irá levar a uma
hiperbilirrubinemia. Outras anemias hemolíticas também podem cursar com aumento
da bilirrubina indireta e, consequente, icterícia, tais como: 1) anemias que
cursem com defeitos na membrana eritrocitária como esferocitose hereditária,
eliptocitose, estomatocitose; 2) eritroenzimopatias como deficiência da enzima
glicose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD) ou deficiência da piruvatoquinase (PK);
3) hemoglobinopatias como anemia falciforme ou talassemia. Outros sintomas
associados nessas situações são palidez, fraqueza, mucosas descoradas e
esplenomegalia.
Em
casos de atresia das vias biliares congênita o recém-nascido a excreção da
bilirrubina encontra-se prejudicada, levando a um aumento dos níveis séricos de
bilirrubina direta. Assim, além da icterícia esses bebês apresentam outros
sintomas associados, como colúria, acolia fecal e uma discreta hepatomegalia.
Outro diagnóstico diferencial comum em recém-nascidos é a hepatite neonatal que
cursa com sintomas semelhantes a colestase neonatal e assim como essa costuma
manifestar-se a partir da segunda semana de vida, diferindo nesse ponto das
anemias hemolíticas cuja icterícia é de início precoce, logo nos primeiros dias
após nascimento. Cerca de 20 por cento dos
neonatos com hepatite foram infectadas por um vírus (hepatite A, B ou C, citomegalovírus
ou varicela) transmitido pela mãe antes ou pouco depois de nascer. Os restantes
80 por cento dos casos não foram identificados de vírus, recebendo a
denominação de hepatite neonatal idiopática, sendo uma das principais causas responsáveis
pela colestase intra-hepática de natureza
desconhecida. Outra possível causa de icterícia em recém-nascidos é a sepse
neonatal a qual pode cursar, além da hiperbilirrubinemia, com alterações
hematológicas (presença de esferócitos, por exemplo), leucocitárias e, por
vezes, sinais de choque.
O
tratamento de eleição da hiperbilirrubinemia no recém-nascido é a fototerapia,
podendo ter fins profiláticos (evitando níveis tóxicos de bilirrubina) ou
terapêuticos. Os fótons de energia absorvidos pela bilirrubina desencadeiam
reações fotoquímicas que resultam na formação de isômeros solúveis, aptos a
excreção. Em casos de hemólise por incompatibilidade sanguínea, a fototerapia
pode vir associada à administração intravenosa de imunoglobulina polivalente.
Outra opção terapêutica, utilizada especialmente se o RN apresenta sinais de
encefalopatia bilirrubínica aguda (hipertonia, opistótono, hiperextensão
cervical, febre, choro gritado), é a exsanguino-transfusão que remove a
bilirrubina, os anticorpos hemolíticos e corrige a anemia.
Por
fim, uma vez que muitos bebês saem da maternidade com 1 ou 2 dias de vida, é
importante que os pais ou o pediatra estejam atentos ao aparecimento da
icterícia durante os primeiros dias após o regresso a casa. Assim, os pais que
detectem uma coloração amarela na pele ou nos olhos do seu bebê devem procurar
seu pediatra para que se averigue a causa e o grau de icterícia.
Clínica
|
RNM cerebral
|
PEA
|
|
Fase
Precoce
(reversível)
|
Ligeiro
estupor, hipotonia,
parcos
movimentos, sucção
débil,
choro débil.
|
Normal
|
Ligeiro
aumento do tempo
de
latência das ondas I
a
V.
|
Fase
Intermédia
(potencialmente
reversível
seexsanguino-transfusão
emergente)
|
Moderado
esturpor,
irritabilidade,
febre, hipertonia,
di!culdade
na alimentação,
choro
gritado.
|
Ligeiro
aumento do
sinal
em T1 no globo
pálido.
|
Aumento
do tempo de
latência
das ondas I a
V,
com diminuição da
amplitude.
|
Fase
Avançada
(ireversível)
|
Coma,
opistótonus,
hiperextensão
cervical,
apneias,
febre, recusa
alimentar,
choro gritado e
persistente
e ocasionalmente
convulsões.
|
Aumento
de!nitivo do
sinal
em T1 no globo
pálido,
hipocampo e
tálamo.
|
Ondas
mínimas ou
ausentes.
|
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
1.
QUINTAS, Conceição;
SILVA, Albina; Icterícia Neonatal
2. PINHATA, M. M.; MARTINEZ, F.; Icterícia
Neonatal
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