terça-feira, 20 de março de 2012

ARTIGO "ICTERÍCIA DO RECÉM-NASCIDO"

Icterícia do Recém-Nascido
Por Bruna Leal Parreira

A icterícia do recém-nascido ou hiperbilirrubinemia neonatal é uma condição frequente nos primeiros dias após o nascimento. Manifesta-se pelo aparecimento da coloração amarelada da pele e das mucosas (esclera, rima lingual) por deposição da bilirrubina em excesso, em geral quando há valores acima de 5 mg/dl no sangue. Na maior parte dos casos, esta coloração verifica-se dois a três dias após o nascimento, observando-se primeiro na face e podendo progredir para o peito, abdómen e finalmente, as pernas.
Usualmente, a icterícia neonatal é um fenômeno fisiológico normal que não gera maiores complicações. Ocorre, principalmente, em virtude do processo de renovação dos glóbulos vermelhos, em que a hemoglobina fetal desse recém-nascido (HbF) é substituída por hemoglobina semelhante a do adulto (HbA). Durante essa transição grandes quantidades de HbF são destruídas, liberando na corrente sanguínea a proteína heme, principal responsável pela formação do pigmento bilirrubina. (Figura 1) O fígado do recém-nascido, especialmente dos prematuros, é, no entanto, imaturo e sua capacidade de eliminar esse excesso de bilirrubina encontra-se diminuída. Assim, a maior produção de bilirrubina associada a capacidade de eliminação reduzida leva a um aumento de seus níveis na circulação, podendo em casos mais graves atingir e se depositar nos tecidos. Outras possíveis causas são deficiência na captação pelos hepatócitos, na conjugação ao ácido glicurônico, na excreção biliar ou ainda pela presença de β-glucoronidase, enzima presente na borda em escova na parede intestinal responsável pela desconjugação da bilirrubina, permitindo que essa retorne a circulação entero-hepática.
A hiperbilirrubinemia está presente em cerca de 97% dos RNs de termo, mas só 67% deles ficam ictéricos. Para ser caracterizada como hiperbilirrubinemia fisiológica o RN deve apresentar aumento de bilirrubina nos primeiros 3 dias de 6-8 mg/dl até12 mg/dl naqueles nascidos a termo e valores de 10-12 mg/dl  até 15mg/dl no 5º dia nos prematuros. Quando os níveis de bilirrubina atingem valores superiores aos limites fisiológicos (bilirrubina total superior a 17mg/dl) essa passa a exercer efeitos tóxicos, sendo o sistema nervoso central o principal afetado. A bilirrubina não conjugada é não ionizada, lipofílica, ou seja, tem a capacidade de atravessar a barreira hemato-encefálica, atingindo e se depositando sobre as estruturas nervosas, exercendo sobre elas efeito tóxico, levando a uma condição conhecida como kernicterus.
Kernicterus é definida como uma alteração anatomopatológica do cérebro, com morte neuronal por deposição de pigmento de bilirrubina em áreas específicas, especialmente gânglios da base e cerebelo. Estruturas profundas, tais como os núcleos subtalâmicos, hipocampo e tronco cerebral, também podem ser afetadas. As manifestações clínicas dessa lesão recebem o nome de encefalopatia bilirrubínica que pode apresentar-se tanto precocemente quando as lesões ainda são ligeiras e reversíveis ou em uma fase mais avançada em que o quadro é mais grave e as lesões irreversíveis. Recentemente, o subcomitê para a hiperbilirrubinemia da Academia Americana de Pediatria, recomenda o uso de encefalopatia bilirrubínica aguda para descrever as manifestações agudas da toxicidade da bilirrubina e kernicterus reservado para as sequelas permanentes e crónicas da toxicidade da bilirrubina. A tabela I resume as manifestações clínicas, alterações na ressonância magnética cerebral e dos potenciais evocados auditivos nas diferentes fases da encefalopatia bilirrubínica aguda.
Algumas afecções nos recém-nascidos podem ocasionar com aumento dos níveis de bilirrubina, cursando com icterícia. A doença hemolítica do recém-nascido, também conhecida como eritroblastose fetal, é uma anemia causada por incompatibilidade sanguínea materno-fetal, em que a mãe produz anticorpos IgG, que possuem a capacidade de atravessar a barreira placentária, contra antígenos próprios do feto, reduzindo a sobrevida das hemácias fetais, as quais são hemolisadas. A hemólise inicia-se na vida fetal e intensifica-se ao nascimento. Como foi elucidado anteriormente o excesso de proteína heme irá levar a uma hiperbilirrubinemia. Outras anemias hemolíticas também podem cursar com aumento da bilirrubina indireta e, consequente, icterícia, tais como: 1) anemias que cursem com defeitos na membrana eritrocitária como esferocitose hereditária, eliptocitose, estomatocitose; 2) eritroenzimopatias como deficiência da enzima glicose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD) ou deficiência da piruvatoquinase (PK); 3) hemoglobinopatias como anemia falciforme ou talassemia. Outros sintomas associados nessas situações são palidez, fraqueza, mucosas descoradas e esplenomegalia.
Em casos de atresia das vias biliares congênita o recém-nascido a excreção da bilirrubina encontra-se prejudicada, levando a um aumento dos níveis séricos de bilirrubina direta. Assim, além da icterícia esses bebês apresentam outros sintomas associados, como colúria, acolia fecal e uma discreta hepatomegalia. Outro diagnóstico diferencial comum em recém-nascidos é a hepatite neonatal que cursa com sintomas semelhantes a colestase neonatal e assim como essa costuma manifestar-se a partir da segunda semana de vida, diferindo nesse ponto das anemias hemolíticas cuja icterícia é de início precoce, logo nos primeiros dias após nascimento. Cerca de 20 por cento dos neonatos com hepatite foram infectadas por um vírus (hepatite A, B ou C, citomegalovírus ou varicela) transmitido pela mãe antes ou pouco depois de nascer. Os restantes 80 por cento dos casos não foram identificados de vírus, recebendo a denominação de hepatite neonatal idiopática, sendo uma das principais causas responsáveis pela colestase intra-hepática de natureza desconhecida. Outra possível causa de icterícia em recém-nascidos é a sepse neonatal a qual pode cursar, além da hiperbilirrubinemia, com alterações hematológicas (presença de esferócitos, por exemplo), leucocitárias e, por vezes, sinais de choque.
O tratamento de eleição da hiperbilirrubinemia no recém-nascido é a fototerapia, podendo ter fins profiláticos (evitando níveis tóxicos de bilirrubina) ou terapêuticos. Os fótons de energia absorvidos pela bilirrubina desencadeiam reações fotoquímicas que resultam na formação de isômeros solúveis, aptos a excreção. Em casos de hemólise por incompatibilidade sanguínea, a fototerapia pode vir associada à administração intravenosa de imunoglobulina polivalente. Outra opção terapêutica, utilizada especialmente se o RN apresenta sinais de encefalopatia bilirrubínica aguda (hipertonia, opistótono, hiperextensão cervical, febre, choro gritado), é a exsanguino-transfusão que remove a bilirrubina, os anticorpos hemolíticos e corrige a anemia.
Por fim, uma vez que muitos bebês saem da maternidade com 1 ou 2 dias de vida, é importante que os pais ou o pediatra estejam atentos ao aparecimento da icterícia durante os primeiros dias após o regresso a casa. Assim, os pais que detectem uma coloração amarela na pele ou nos olhos do seu bebê devem procurar seu pediatra para que se averigue a causa e o grau de icterícia.




Clínica
RNM cerebral
PEA
Fase Precoce
(reversível)
Ligeiro estupor, hipotonia,
parcos movimentos, sucção
débil, choro débil.
Normal
Ligeiro aumento do tempo
de latência das ondas I
a V.
Fase Intermédia
(potencialmente reversível
seexsanguino-transfusão
emergente)
Moderado esturpor,
irritabilidade, febre, hipertonia,
di!culdade na alimentação,
choro gritado.
Ligeiro aumento do
sinal em T1 no globo
pálido.
Aumento do tempo de
latência das ondas I a
V, com diminuição da
amplitude.
Fase Avançada
(ireversível)
Coma, opistótonus,
hiperextensão cervical,
apneias, febre, recusa
alimentar, choro gritado e
persistente e ocasionalmente
convulsões.
Aumento de!nitivo do
sinal em T1 no globo
pálido, hipocampo e
tálamo.
Ondas mínimas ou
ausentes.


Figura 1.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.      QUINTAS, Conceição; SILVA, Albina; Icterícia Neonatal
2.      PINHATA, M. M.; MARTINEZ, F.; Icterícia Neonatal

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